martins em pauta

domingo, 19 de abril de 2015

Prosa do Domingo: Semântica do saco.

Domingo,19 de abril de 2015 

por François Silvestre 


Semântica do saco.

Seco não se sustenta em pé. Tão impermeável quanto saco de filó. Tá mais furado do que saco de estopa. E ainda é a primeira pessoa do indicativo do verbo sacar. Aliás, esse verbo foi tão usado e abusado que entrou em recesso.

E por falar em recesso, nosso Parlamento é um saco. Nosso? Será que esse troço é nosso mesmo? Numa coisa se assemelha ao nosso. Quanto mais velho, mais cresce pra baixo. E mais diminui o desempenho da atividade fim. E não adianta terceirizar, pois em matéria de saco o terceiro está no saco alheio.

O Senado, por exemplo, é um clube luxuosíssimo, que escapou do baile da Ilha Fiscal e grudou-se feito tatuagem no escoamento da grana que só é pública na costura do saco deles.

Dinheiro público, que volta para os contribuintes em forma de serviços, é a parte que sobra guardada no saco de estopa. A parte do rato, ou melhor, do leão roedor, é a que escorre pelos buracos do saco.

O saco de açúcar, mais denso e consistente, transforma-se em peças de uso variado. Toalhas de pobre, panos de prato, cobertas de mesa, lençóis de moleque. Tem mais utilidade do que senadores. E olhe que nenhuma dessas peças consegue durar oito anos.

Um saco de fumo, lá de Arapiraca das Alagoas, tem mais furo do que fumo. Mais somos nós que levamos o fumo do sacalheiros. Que saca tudo de malabarismo sacal. E preside o clube notório, com carimbo de notário, debaixo dos pelos do nosso saco de otários.

O outro Presidente, posto que o Brasil é um empório de presidentes, tem de todo tipo em todo canto, ou em todo saco de gatos e ratos, também acunha com gosto de gás.

O sobrenome do distinto é Cunha. Vai dar nome a um estádio de futebol, cujo aumentativo sairá das entranhas do saco.

Há tantos presidentes que a mandanta resolveu por um “a” no final de um substantivo comum de dois gêneros. E os aliados fanáticos grafarão estudanta, gerenta, chefa, contribuinta.

Até o elefante, que tem medo de rato, faz o feminino com Aliá, para livrar-se do neologismo elefanta.

Num texto antigo eu disse o que repito agora: O Brasil não é uma democracia institucional. Não. É um saco cheio de instituições, feito siris na lata. Caranguejos-uçá na corda. Instituição é o que não falta. Falta estabilidade institucional.

Na outra ponta, os adversários sectários equiparam-se no mesmo saco de intolerância. Cada um com seu time, cujas bandeiras dariam pra fazer muitos sacos. Ou talvez sejam essas bandeiras feitas com sacos desfeitos de esperança.

E foi a esperança a única virtude a ficar presa na Caixa de Pandora, quando Zeus quis vingar-se de Prometeu, que roubou, do Olimpo, o fogo da vida.

Isso me traz à memória a frase de Renato Corte Real sobre o governo Figueiredo, aplicável agora, tirada do Blog de Linneu: “É um governo Caracu, o governo entra com a cara e o povo com o resto”. Té mais.

Da Coluna Plural, do Novo Jornal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contato : (84) 9 9151-0643

Contato : (84) 9 9151-0643